sábado, 18 de abril de 2009

É preciso reconhecer as ONGs sérias, diz líder do Saúde & Alegria

CÁSSIO AOQUI
PATRÍCIA TRUDES DA VEIGA
da Folha de S.Paulo, no Rio

Brincalhão quando visita os ribeirinhos atendidos pelo projeto que lidera, o Saúde & Alegria, mas sério quando fala em desmatamento e leis que regulam o terceiro setor, Eugenio Scannavinno Netto foi entrevistado pela Folha durante o Fórum Econômico para a América Latina, que terminou no dia 16 de abril, no Rio.

Frequentador dessas reuniões desde 2006, um ano depois de consagrar-se Empreendedor Social do Ano pela Folha de S.Paulo e pela Fundação Schwab, o médico também falou do impacto social que provoca na Amazônia paraense, local onde atua desde 1985.

O Projeto Saúde & Alegria é uma organização sem fins lucrativos que estimula a cidadania de mais de 120 comunidades extrativistas de Santarém, no Pará. Hoje, a entidade já soma mais de 30 mil beneficiários diretos.

Confira a entrevista na íntegra.

FOLHA - Como a crise econômica mundial impactou a Amazônia?
EUGENIO SCANNAVINO NETTO - É ruim falar isso, mas positivamente, porque diminuiu o desmatamento, em função do preço das commodities.

FOLHA - E no Saúde & Alegria?
EUGENIO - De imediato, perdemos 30% do orçamento porque um de nossos patrocinadores, uma seguradora, perdeu dinheiro. Mas o que está acontecendo é que os patrocinadores, ao renovarem os contratos, e com menos verbas para investir, estão mais seletivos. E hoje ONGs como a nossa, consolidadas, estão tendo mais oferta do que antes da crise. Algumas fundações internacionais eliminaram 80% do seu portifólio de projetos, mas não foi o caso da nossa.

FOLHA - Os contratos feitos com as ONGs são por quanto tempo?
EUGENIO - Eles são de três anos, mas com renovação anual. São perversos. A gente nunca sabe se no próximo ano o orçamento será o mesmo, porque os doadores se dão o direito de definir quando e quanto eles dão.

FOLHA - E como você administrou esses 30% a menos?
EUGENIO - Suspendi projetos, demiti pessoas. Como a crise foi no final do ano, alguns patrocinadores não renovaram os contratos com nenhuma ONG. Esperaram o cenário clarear. Agora, neste final de trimestre, estão nos reconvocando para renovar os contratos.

FOLHA - Qual é o desafio hoje das ONGs?
EUGENIO - Ter escala, para ser tornar uma política pública. Com a crise, 80% das ONGs menores foram afetadas: algumas perderam patrocínio, algumas fecharam. Muitos beneficiários foram prejudicados.

FOLHA - O empreendedor social tem um novo papel em momentos de crise como esta?
EUGENIO - Todo mundo fala, hoje, em novos paradigmas. Sustentabilidade se tornou a palavra mais vazia que existe. Mas, na hora de buscar as soluções, quem é que apresenta? A sociedade civil. Nosso trabalho, hoje, é influenciar o modelo atual de políticas sociais.

FOLHA - A legislação do terceiro setor precisa ser revista?
EUGENIO - Na verdade, ela é uma tentativa de imobilizar o terceiro setor. Em cima da generalização, eles amarram. Tem muita ONG corrupta, sim, mas principalmente as que são ligadas aos políticos. Tem que aplicar as regras da União para fiscalizar as fundações. Tem, sim, de regular a atividade do terceiro setor, para que ONGs falsas não existam. Mas tem de ter um reconhecimento das ONGs sérias.

FOLHA - Os patrocinadores fiscalizam sistematicamente o Saúde & Alegria?
EUGENIO - Tenho 13 financiadores, entre nacionais e internacionais, e cada um faz pelo menos uma auditoria por ano. Ou seja, tenho um auditor, permanentemente, sentado no administrativo: sou avaliado pela eficiência nos gastos, pelo impacto. As ONGs serias são muito mais transparentes e controladas que qualquer prefeitura. E nosso trabalho custa 10% do que o governo gasta para fazer um serviço sete vezes mais eficiente.

FOLHA - Que parcerias você tem hoje com outros empreendedores?
EUGENIO - Tenho uma de energia solar, com o Fábio Rosa, do Ideaas [Instituto para o Desenvolvimento de Energias Alternativas e da Auto-Sustentabilidade]; outra de permacultura, com o IPA [Instituto de Permacultura da Amazônia], e agora estamos finalizando o barco dos dentistas, com o Fábio Bibancos, da Turma do Bem.

FOLHA - O príncipe Charles visitou o Saúde & Alegria e viajou no barco Abaré com vocês. O que o projeto teve em troca, além de visibilidade na imprensa?
EUGENIO - Nem isso! A imprensa ficou mais interessada quando ele dançou carimbó com a governadora do que com o barco-hospital. Mas ganhamos prestígio com os patrocinadores, com as autoridades. Em função disso, outro [príncipe] deve vir.

FOLHA - E quais foram as conquistas no último ano?
EUGENIO - Estamos com indicadores [de impacto social] muito bons: 100% de saneamento básico, 100% de pré-natal, 98% de cobertura vacinal, demanda cirúrgica quase zero, isto é, operamos todas as cataratas, todos os baixo ventres. A mortalidade infantil está em torno de 18 por 1.000, quase padrão da Europa Oriental, bem melhor do que a do Brasil e muito melhor do que a da Amazônia. Atingimos as Metas do Milênio há cinco anos. Estamos com um IDH muito bom e finalizando um cálculo de carbono evitado, porque a nossa área não tem desmatamento, não tem fogo. E, além disso, estamos calculando o IFH (Índice de Felicidade Humana). Nós já estamos muito acima do padrão mundial.

Acesse www2.uol.com.br/empreendedorsocial/2005-eugenio.shtml e saiba mais sobre a trajetória de Eugenio Scannavino Netto, líder do Saúde & Alegria

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