terça-feira, 24 de novembro de 2009

Rodovias se tornaram sumidouro de verba

Foto: Jessé Souza



Obra inacabada de bueiro estourado há um ano no trecho sul da BR-174

JESSÉ SOUZA

Historicamente, a recuperação de rodovias federais em Roraima se mostrou um sumidouro de verbas públicas. Na mesma proporção em que as crateras se abrem tão rapidamente nas pistas de rolamento, também são consumidas montanhas de verba pública em valores que poucos ou ninguém se atreve a divulgar com exatidão.

A realidade das BRs 174 e 210 é a mais flagrante delas. O volume de recursos federais que tem chegado a título de recuperação é milionário. Já que a Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinf) não divulgou oficialmente os valores investidos nos últimos anos, a pedido da Folha, a saída foi fazer uma pesquisa em sites e matérias antigas.

A conclusão é que em quatro anos foram quase R$ 100 milhões destinados somente para a BR-174, da divisa com o Amazonas, ao Sul, até a fronteira com a Venezuela, ao Norte. Isso sem contar com os valores deste ano, que vão chegar à casa dos R$ 500 milhões.

No entanto, o que se vê são obras de péssima qualidade, conforme mostrou a série de reportagens feita pela Folha ao longo da semana. Só para se ter uma ideia, a recuperação com tapa-buracos da BR-174 custou até agora quase R$ 37 milhões de verbas federais do Programa Integrado de Revitalização (PIR). Esse recurso foi para recuperar 900 Km.

O PIR foi uma ação emergencial empreendida pelo governo federal em todo o país devido à circunstância do estado de calamidade em que se encontravam as principais rodovias brasileiras. Em Roraima, não só esse recurso foi consumido sem melhorias quanto algumas empresas contratadas pelo governo federal fizeram pouco caso, abandonando as obras sem qualquer justificativa, tanto na 174 quanto na 210, que interliga os municípios do Sul do Estado.

O diretor do Departamento Estadual de Infraestrutura e Transporte (Deit), José Eufrânio, não disse quanto chegou de recurso para essas obras emergenciais das BRs 210 e 174, mas confirmou que o custo de cada quilômetro de asfalto saiu por R$ 150 mil a R$ 200 mil.

Mais R$ 500 milhões para a BR-174

Em comunicado divulgado à imprensa na semana passada, a Secretaria Estadual de Infraestrutura (Seinf) anunciou que vai divulgar nos próximos meses o edital de licitação para obras de restauração da BR-174, do trecho de Caracaraí até a divisa com o Amazonas, totalizando 369 quilômetros. O valor anunciado foi de R$ 500 milhões com contrapartida de 3% do Governo do Estado.

Conforme a informação, o Projeto Executivo está em análise no Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes Terrestres (Dnit). Os recursos serão do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal.

O Dnit tem autonomia para alterar o projeto. “Caso não haja correções, o projeto será aprovado e, em seguida, realizada a audiência pública pelo Dnit. A partir daí, o edital de licitação será lançado”, informou a Seinf.

A restauração do trecho norte da BR-174, de Boa Vista até Pacaraima, na fronteira com a Venezuela, será incluída no segundo lote do projeto, o qual também deve passar pelo crivo do Dnit.

BR-210 – No mesmo informe, a Seinf anunciou o projeto de restauração da BR-210, de Novo Paraíso até São João da Baliza, o qual também está em análise Dnit. A obra será licitada junto com a da BR-174. A restauração da rodovia está orçada em R$ 60 milhões, segundo a Seinf.

Irregularidades nas obras são visíveis

As obras de restauração das rodovias 174 e 210 sempre foram cercadas de irregularidades, acobertadas pela falta de informações públicas. Nem mesmo as placas fixadas às margens das rodovias com indicações obrigatórias sobre as obras tratam de valores.

Mas os relatórios de inspeção elaborados pelo Tribunal de Contas da União (TCU) dão o indicativo dessas irregularidades e desleixos que seguem as obras de recuperação das estradas.

Mas não precisa ser especialista ou técnico para perceber que nos trabalhos de recuperação da BR-174 afloram irregularidades com as crateras que se abrem rapidamente na pista de rolamento e na qualidade do asfalto que se derrete na primeira chuva.

Num levantamento de auditoria realizado no ano passado pelo TCU referente às obras do Programa Integrado de Revitalização (PIR) em 2007, as irregularidades são postas às claras pelos técnicos. O titular da Seinf era ainda Francisco Canindé de Macedo.

Os técnicos apontaram indícios de utilização de projeto básico inadequado, descaracterização do objeto licitado e deficiência na qualidade dos serviços executados, com dano aos cofres públicos.

Ficou claro a supervisão deficiente na execução dos serviços de má qualidade, inclusive com trechos cuja empreiteira contratada simplesmente abandonou a obra.

Essa restauração por meio do PIR foi incluída no Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) no exercício financeiro de 2007. “Constatou-se um acréscimo substancial do valor orçado entre o exercício anterior e o corrente, passando de R$ 19.907.200.00 para R$ 42.800.000.00”, diz o relatório.

Segundo o projeto básico, o custo estimado situava-se em R$ 97.424.626,54 (data base: 1º/2/2005), mas até o momento da inspeção haviam sido liquidados R$ 21.959.212,21.

LOTES - A obra foi dividida em quatro lotes. Da divisa do Amazonas até na Vila do Equador, a empresa responsável pelos 116 Km foi a ASC Empreendimentos e Construções, pelo valor de R$ 17,1 milhões.

Do Rio Dias até a sede de Caracaraí, ficou a Construtora Meirelles Mascarenhas (que abandonou a obra também na BR-210), com valor de R$ 16,6 milhões. Foram 108 Km de obras

De Caracaraí até Boa Vista, a Egesa Engenharia S.A. foi contratada por R$ 23 milhões para restaurar 136,1Km, mas já naquela época da inspeção o contrato foi suspenso por falta de execução da obra.

Do trecho Boa Vista até a fronteira com a Venezuela, numa extensão de 214Km, a Tescon Engenharia foi a responsável, cujo contrato chegou a R$ 39,1 milhões. Só aí se chegou a R$ 95,8 milhões gastos na BR-174.

À época, a Seinf argumentou junto ao TCU que obra foi feita a um “baixo custo” para que oferecesse trafegabilidade por um período de dois anos. Mas não foi isso o que se viu, inclusive mostrado nas reportagens da Folha ao longo da semana.

A má qualidade ficou evidenciada porque os técnicos verificaram que não foram realizados testes elaborados e específicos para determinar as melhores soluções técnicas a serem aplicadas em cada trecho licitado da BR 174.

“Portanto, não se pode dizer que o projeto inicial possuía o nível de detalhamento adequado para a consecução do empreendimento. Soma-se a isso o fato de que estão ocorrendo problemas na execução dos serviços nos referidos lotes, e parte dos serviços terão de ser refeitos, em função de já terem surgidos trincas e panelas [buracos] no pavimento”, aponta o relatório.

Logo após a execução das obras, surgiram trincas e crateras no pavimento, o que levou o Governo do Estado a rescindir os contratos de duas empresas, em função dos diversos problemas que surgiram no decorrer de suas execuções.

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